Punha, não!

Texto publicado no Pasquim Sul, em 23.10.86

Quando ela olhou para o relógio e depois para mim e me disse bã, eu pressenti que as coisas iam mal. Eu sou assim, rápido, perspicaz. Corri para o quartinho dos fundos - ela gostava de lugares exóticos para fazer amor - e, ao abrir a porta, o sol incendiou a peça. Deitei ali, ao sol, entre a poeira e os guardados, nu, sexy, arrojado, irresistível. Ela tapou o sol quando parou à porta e eu senti mais calor: 1,48 m de altura, cintura 48, quadris 48, sapato 48. Meu número de sorte: pena a roupa por cima. Ela me perguntou:

- Machucou?

Eu respondi:

- Chega mais, baby.

Ela percorreu meu corpo com os olhos, acariciou minhas coxas fortes, fixou-se no meu membro ereto, sanguíneo, nauseante, e disse melosa e decididamente:

- Tenho de ir.

Vesti o roupão verde que meu pai usou na lua-de-mel e postei-me junto à saída, olhar vago, boca entreaberta (o roupão, também!), sorrindo para o futuro. Ela reapareceu com todas as suas tralhas, pronta para ir embora.

- Poxa, baby. Uns minutinhos e pronto, é só uma. Venha, vamos foder. Você me deixa louco!

Eu sou assim, franco, direto, firme.

- Não posso, Mig - ela disse.

Chama-me de Mig, por causa dos jatos russos, diz que sou muito rápido. Me orgulho disso. Antes eu vivia resfriado.

Virei-me, rosto congestionado, cabeça baixa. Aparentava fingir uma tristeza real.

- Puxa, baby, terei de bater uma punha.

Eu sou assim, puro, sincero.

- Não, isso não, Mig! Você não faria isso!

- Ora, baby, estou entupido até o pescoço, minhas bolas do...

- PUNHA, NÃO! - gritou secamente.

Adoro isso, mulheres firmes, decididas, quentes.

Corri para fora e esperei-a no primeiro lance da escada. Quando ela passou, abri o roupão. Aproveitei e disse:

- Ok, baby, sem remorsos.

É meu estilo: maleável, atencioso, democrático.

Ela pegou meu membro eternamente ereto e anelou-o com os lábios.

- Nnhh! - eu disse. Sou muito romântico

- Smlughft - ela respondeu. E afastou-se.

- Outro pra você, baby.

E abanei com a cordinha do roupão. Só então acendi o cigarro: eu sou assim, simples, metódico.

                                                                             - Miguel da Costa Franco -