Um
dia desses, num restaurante da cidade, me permiti sugerir a um provável diretor
da Companhia Equatorial, que contratasse agrônomos para orientar seus funcionários
encarregados da poda do arvoredo das ruas. Ele me ouviu. Foi gentil. Se me
confundi, pensando que teria relevância hierárquica na empresa alguém que não a
têm, renovo por esta via o meu apelo: alô, Equatorial, contrate agrônomos
conhecedores de métodos de poda das espécies arbóreas, pelo amor dos nossos
filhinhos.
Em 2022, em entrevista concedida ao Jornal
Já, eu dizia que Porto Alegre tem um atrativo fantástico em termos imagéticos,
que é a sua arborização. Se lembro bem, a pergunta do entrevistador se referia
às razões porque eu escrevia sobre Porto Alegre e a usava como cenário das
minhas histórias. Pois bem, a arborização de Porto Alegre, entremeando-se por
ruas e avenidas, é algo muito precioso e singular. Nem de longe, esse grau de
arborização urbana é a regra nas demais capitais do País. Precisamos cuidar
desse bem que nos distingue das outras com muita atenção e carinho.
Quem não sabe que as árvores consomem
grandes volumes de água e colaboram na fixação do solo através de sua robusta malha
de raízes, combatendo deslizamentos e enxurradas? Quem não gosta de acordar com
a cantoria de passarinhos? Quem sente prazer ao ser recebido numa manhã de
novembro com flores vermelhas nos flamboyants e flores brancas nas
espirradeiras, buquês amarelos no topo das cássias e dos guapuruvus, cachopas
amarelo-ouro nas grevíleas e, por todas as ruas do bairro, fileiras do roxo abundante
dos jacarandás? Quem tem o privilégio de deslocar-se à sombra do arvoredo num
dia ensolarado e quente ou, ao contrário, tem o dissabor de percorrer longas
distâncias na forte soalheira do verão?
Estudo recente feito por mestrando da UFRGS sobre
as ilhas de calor da cidade mostrou significativas diferenças de temperatura do
ar entre regiões arborizadas e não arborizadas. De vinte graus centígrados
entre a árida zona norte e a fresca zona sul. De dez graus centígrados entre o
Parque da Redenção e a Rodoviária. Em se tratando Porto Alegre de um aglomerado
urbano em que os verões são quentes e sufocantes, manter saudável nosso
arvoredo é uma medida para lá de sensata.
Entretanto, não é o que se observa por aqui.
A Prefeitura, que antes era tão zelosa em protegê-lo, aplicando inclusive
multas pesadas a quem fizesse intervenções não autorizadas, abandonou a prática.
Ao contrário, associa-se a “parceiros” que derrubam a cobertura verde dos parques
para neles implantar unidades comerciais e áreas impermeabilizadas para
circulação e estacionamento de veículos. Favorece a derrubada de bosques remanescentes
e árvores frondosas para a construção de espigões não aceitos pelo plano
diretor, aprovados como malfadados projetos “especiais” por um Conselho
Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental mais preocupado com os
interesses econômicos do que com o meio ambiente e a qualidade de vida da
população. E voltando ao tema inicial deste texto, terceiriza para as empresas
privatizadas de energia, internet e telefonia a gestão da arborização das ruas,
autorizando-as a dar prioridade para a preservação das redes de fios, em
detrimento da saúde dos vegetais. O serviço desastroso na gestão da fiação –
visível em cada quarteirão – dá mostras do que se pode esperar de tais empresas
na administração do arvoredo.
O Governador Eduardo Leite, a propósito,
está enveredando pelo mesmo caminho tortuoso e burro, ao propor legislação
nessa linha para o estado todo.
Espero que a Prefeitura retome a gestão do
nosso verde. É preciso planejar melhor a distribuição das espécies pelo ambiente
urbano e reservar para as árvores, nas calçadas, mais espaço livre para
absorção de água. Outras razões relevantes envolvem a necessidade de poda, como
a adequada orientação do crescimento e o desbaste dos ramos frágeis, o controle
da erva-de-passarinho e demais pragas e doenças que atacam os vegetais. Também,
e não menos importante, a preservação da harmonia estética da paisagem urbana.
Espero poder contar com o passaredo e o
colorido das flores nas primaveras vindouras e com o frescor das sombras nos
verões escaldantes de nossa cidade, com abundância de raízes para absorver
excessos hídricos e sustentar o peso das nossas encostas. Só poderão resistir
aos temporais e às ventanias árvores saudáveis e bem conduzidas. Extingui-las,
ou contribuir para a sua degradação, pode favorecer temporariamente à rede de
fios, mas significará, a médio prazo, mais um desastre ambiental a se abater
sobre Porto Alegre.
Você deixaria uma pedicure amputar a sua
perna? O sapateiro avaliar a sua próstata? Ou o borracheiro arrancar o seu
siso?
Mal comparando, é isso o que a Equatorial
está fazendo com o verde das ruas, ao atribuir o trabalho de poda a trabalhadores
sem nenhuma qualificação para tanto. Não tiro o mérito dos profissionais
dedicados às unhas, aos pneus ou aos solados de sapatos e sandálias. Cada um sabe
de sua especialidade. Mas as árvores podadas pelas equipes da Equatorial, pelo
absoluto despreparo de seus funcionários, mostram aleijões, cicatrizes
desprotegidas, galhos descascados em apodrecimento e total descaso com a
adequada distribuição espacial das copas, o que reverterá em novas quedas de
galhos sobre a fiação. E, por certo, garantirá futuros apagões.
- Miguel da Costa Franco -
Publicado também na Matinal / Parêntese 04/12/24
Muito bom, Miguel!
ResponderExcluirMuito bom. E aqui no meu bairro são derrubadas muitas árvores :nas calçada p dar lugar os ASTROmóveis e nos pátios , p dar lugar a estes edifícios horrendo .
ResponderExcluirSimples e claro, muito bom
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