No começo de junho, fui conhecer de perto o Morro
da Cruz, acompanhado da amiga antropóloga Lúcia Scalco, de quem sou um profundo
admirador por seu trabalho e dedicação. A Lúcia foi fazer sua pesquisa de
mestrado naquela comunidade e não conseguiu mais se afastar de lá, absorvida
pelos dramas e necessidades da população residente, mas também pelo potencial
humano mal explorado que encontrou ali.
Para canalizar suas ações de forma mais
consequente, acabou fundando uma ONG, da qual é hoje a presidente - o Coletivo
Autônomo Morro da Cruz -, de quem me tornei um colaborador, doando recursos,
móveis e eletrodomésticos, sempre que possível.
Frente à ampla visão panorâmica da cidade de Porto
Alegre, sob um lindo céu azul, perguntei-me porque nunca estivera antes ali no
Morro. Não me foi difícil encontrar a resposta. Apesar de centrais e próximos
de equipamentos públicos e privados importantes para a cidade, como a Pontifícia
Universidade Católica, quartéis do Exército e da Brigada, do presídio central,
das antenas enormes do Morro da Polícia e do hipermercado Carrefour, os
bairros abrangidos pelo codinome Morro da Cruz são mal equipados de
infraestrutura. O traçado das ruas nem sempre é regular, contemplando
loteamentos e ocupações. As vias, no mais das vezes, são estreitas, íngremes e
mal calçadas. Há carência de escolas, de creches e de transporte público e
falta água com frequência. A oferta de energia e internet é igualmente
precária. Como de hábito nos bairros periféricos, o poder semioculto do tráfico
de drogas, mais do que a presença tímida de aparelhos do Estado, é o definidor
do que seja a segurança ou insegurança da população. A cor da pele dos
moradores é, como regra, mais escura do que se observa nos bairros mais
centrais, que uso frequentar. O casario é simples e, muitas vezes, malconservado
e frágil. Algumas moradias ocupam áreas de risco, sujeitas a desmoronamentos e
inundações eventuais. Exposto aos ventos e às intempéries, faz frio no Morro da
Cruz.
Foi esse o universo que seduziu Lúcia Scalco e a
instigou a fundar o Coletivo Autônomo, hoje uma instituição respeitada e
consolidada no bairro, sempre de mãos estendidas para a população humilde que
lá habita. “Aqui é o meu mundo”, ela diz, com os olhos brilhando. O foco
principal do Coletivo são as crianças, que têm nas unidades da ONG um segundo
turno escolar de qualidade invejável, envolvendo teatro, música, dança, biblioteca,
inclusão digital, atendimento psicológico individual ou em grupo, educação
física e recreação, filosofia e técnicas agrícolas. Um lugar seguro, amoroso e
adequado para receber os filhos da comunidade, alimentando-os e educando-os.
Com apoio do governo federal, o Coletivo
constituiu em sua sede um modelar Centro de Recuperação de Computadores, que
serve à formação de técnicos, à inclusão digital e, futuramente, para ampliação
do sinal de internet na região.
Em mais uma iniciativa ousada e promissora, envereda pela marcenaria, tendo oferecido até agora mais de 600 rodos para limpeza
dos locais atingidos pela enchente. A partir dessa experiência solidária, almeja
constituir uma marcenaria-escola direcionada aos adolescentes, talvez sob a forma de uma
cooperativa, com vistas a criar alternativas profissionais.
Seu impacto sobre a comunidade é tão expressivo,
que hoje direciona ações até para o público 60+, também numeroso na região.
Espalhada por cinco ambientes no Morro, valendo-se
das estruturas simples que encontrou ociosas ou prospectou, dos talentos e dos
saberes locais, como também do trabalho dedicado de outros abnegados como a
Lúcia, a ONG – nesse período de emergência climática que estamos vivendo –
canaliza doações, recursos e alimentação para dezenas de famílias locais e de
desabrigados que se hospedam em casa de parentes, vindos das áreas inundadas.
Embora demandada por todos os lados, pois as
carências da comunidade são inimagináveis, a ONG resiste em ser vista como
assistencial. Não é seu propósito. Também não quer virar palco para os
oportunistas. Sua batalha é promover a autonomia e a emancipação das pessoas.
Torná-las senhoras de seu destino e de suas habilidades.
Do sucesso de sua atuação, sou agora testemunha
ocular. Seus colaboradores são pessoas especiais: a Nira, a Duda, o Alejandro,
o Rafael, o Vítor, a Marcella, a Luísa, o João, a Rose, o Juan, o Moisés, o
Grael e tantos outros cujo nome me escapa agora. Conheci por lá crianças
felizes e amorosas em germinação, adolescentes com futuro promissor, mulheres empoderadas
e de iniciativa e pessoas recuperadas de um passado mais sombrio para uma vida
produtiva e harmônica em sociedade. Só gente boa.
Mando meu abraço sincero ao pessoal do Morro da
Cruz e do Coletivo Autônomo que conheci na minha visita. Seguirei parceiro de
suas ações e atento às suas necessidades. Espero que muitos se integrem a essa
importante iniciativa de promoção das pessoas e de resgate da cidadania, encravada
num morro lindo, aqui tão pertinho de todos nós.
Link para o site da ONG:
Coletivo Autônomo Morro da Cruz
End.: Rua Vidal de Negreiros, 1652 - CEP 91520-485
CNPJ: 34.426.595/0001-63
Dados bancários:
Banco do Brasil S.A.
Agência: 3240-9
Conta: 45315-3
PIX: financeiro@coletivo.org
Emocionante.
ResponderExcluirQue bonito isso. Parabéns!
ResponderExcluirExcelente. Já estive no morro da cruz e verifiquei a singular estrutura urbana que se estabelece na vila. O abastecimento é bem precário,principalmente de serviços básicos como elétrica,água e ensino básico fundamental.
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