segunda-feira, 29 de março de 2010

Mig, o operário do amor


Texto publicado no Pasquim Sul, em 20.08.87


A coisa anda preta: duas semanas e nada. Já não aguento sonho erótico, ereção noturna. Rebentei o fecho da minha calça de veludo nova. Um estrago, em plena Rua da Praia. Não suporto fiasco. Sou educado, rígido, discreto. Desgraça o meu pau: eternamente ereto, gritão. É o fracasso da minha educação britânica. Preciso de uma mulha. Verdade! É minha droga, minha loção de barba: no mínimo de dois em dois dias. Quem sabe a Dona Maria, do térreo, me atende? Minha peça de resistência: depois dela, só o suicídio. Tocou de novo o telefone, a décima vez esta manhã. Linha cruzada com a Rádio Farroupilha. Atendi:
- Zambiasi? Quero falar com o Zam...
- É o filho dele, baby.
Tinha de aproveitar a deixa. Continuei:
- Que é que manda? Cadeira de rodas, faxineira, passagem para Sananduva, furo na fila do Postão? Ou quem sabe algo mais quente?
- Teu pai taí? – resmungou.
- O velho tá sempre no ar. Na terra, é aqui comigo. Onde nos vemos?
Desligou. Eu ando mal. Um minuto inteirão e não descolei a mina. Dona Maria, aqui vou eu. Prepare-se, vizinha, para saciar tua fome secular de viúva bagulhão. Resolvi descer. De roupão, mesmo. Fica tudo mais explícito. Taquei no bolso um isordil. Se o coração dela sair pela boca, enfio para dentro. Eu sou assim, prevenido, bom. Abri a porta e dei de cara com ela. Dona Maria, não. Isso é passado.
- Ai, que susto! Eu ia bater quando você abriu.
Voz suave, taquareira em flor.
- Não desista, baby. Eu ando precisado.
Sou sincero, limpo.
- Mas você já abriu! – dengueou ela.
- Sim, darling, senti teu perfume matinal, teu louco aroma de gazela no cio.
Eu sou mesmo romântico, bobão.
- Tou fazendo uma pesquisa – cortou ela.
- Pesquisa tudo, tesourinho – e ofereci a casa.
Um presente dos céus: cabelos de Medusa, narizinho de Cleópatra, a boca da Derci Gonçalves. Deus existe e é bom. Ela resistiu:
- Você lê? – perguntou.
- Só nos intervalos da vida, cherry. Adoro gibi, policial, mulher pelada. Quer ver minha biblioteca?
Dei as costas e entrei. Sou safado, oportunista. Esvoaçou o roupão. Senti seus olhos na minha perna cabeluda. Meu sangue ferveu: que olhar! Um olho na perna, outro na pastinha. Tesão de vesguinha! Ela entrou. Senti as paredes batendo palmas. Sou demais. Me atirei no pelego, roupão entreaberto, cabeça recostada, olhos num futuro blue.
- Fique tranquila, baby. Temos o dia todo todo só para nós.
E passei para ela um catecismo.
- É que eu sou do Círculo do Livro...
- Religião não é problema, deusa – eu disse.
Eu sou assim: tolerante, mole. Ela riu. Aproveitei e soltei a corda do roupão. Fez que não viu. Peguei um cigarro com o dedão do pé e tirei o cinzeiro do bolso. Ela pegou de novo a pastinha e perguntou:
- Quer se associar? Não paga nada.
A voz dela era a de Eros disfarçada. Adoro isso: metáforas, joguinhos. Topei a deixa e entrei no jogo:
- Eu, não. Mas o Leopoldo, aqui, vai fundo – e sacudi o malvado. Eu sou um caos. Nasci de pau duro, foi preciso o fórceps. Um furo da medicina.
Levantei-me. Ela tentou correr e eu a peguei pela cintura:
- Não se apresse, baby. O ligeirinho aqui sou eu. Pode me chamar de Mig. É o que dizem: como os jatos russos. Por onde passo deixo um rastro de destruição. Sou um operário do amor. Venha, vou consertar o teu encanamento.
E cutuquei-a com o monstro.
Ela riu, gargalhou, ficou histérica. Mordeu meu pescoço. Sangrou meu peito com as unhas vermelhas. Me arrepiei todo. Aparei o joelhaço. Baita pernão! Tronco de ipê nas minhas mãos sedentas. Eu sou assim, poeta na imaginação, sarney nas falcatruas. Puxou a perna com força. Saltou um mamá da miniblusa. Foi demais para mim. Uma pororoca no umbigo dela. Sou mesmo rápido. A vida me disse oi.
- Ganhaste a acumulada, baby – brinquei, ofegante.
Eu sou um sarro. Ela não concordou:
- Você me paga – ela disse, aos berros.
Estranhei. Que mina sem palavra! Odeio isso: máscaras, beicinho, falsidade. Corri com ela:
- Cai fora, darling. Você me faz sofrer.
E caí no choro. Eu sou assim, sensível, trouxa. Fez cara de espanto. Empurrei-a para fora e bati a porta atrás dela. Sei ser durão. Fiz picadinho da pastinha. Sorte dela eu não ser violento. Um dia ainda faço uma loucura.
- Mulheres!

                                                                             - Miguel da Costa Franco -

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