Por um desses azares do
destino, fui conhecer o Estádio Olímpico pela mão de um primo colorado. Era uma
noite quente de dezembro de 1968 e eu recém completara dez anos. Pelo Robertão,
apelido do Torneio Roberto Gomes Pedrosa - que antecedeu o Campeonato Nacional
– enfrentavam-se Inter e Palmeiras.
Ia ser um jogão,
profetizava o meu primo Caíco. E me convenceu a ir.
De um lado, Élton,
Dorinho, Bráulio, Claudiomiro e Canhoto. De outro, Eurico, Luis Pereira, Dudu,
Ademir da Guia, César, Tupãzinho e Artime. Estrelas que eu conhecia de nome,
por comporem o universo dos meus times de botão “panelinha”, nos longos
campeonatos que eu disputava, jogo a jogo da enorme tabela do Robertão, com meu
amigo Coca na longínqua Erechim em que eu morava.
Mas o Caíco, meu primo,
quis me levar ao jogo, sonhando com minha conversão ao Colorado. Assisti ao
jogo lá do alto das cadeiras cativas, abismado com a grandeza do estádio, acostumado
que eu era a ver os jogos do Ipiranga no singelo e modesto estádio da Montanha,
em Erechim. As enormes arquibancadas, os gigantescos refletores, os times
pequenininhos lá embaixo, as cadeiras azuis lado a lado - mais confortáveis que
as do Cinema Ideal, meu paraíso das tardes domingueiras -, a imensa pista
atlética, os bancos de reservas protegidos, as largas marcas de cal demarcando
o campo de embate...
Encantei-me com o Estádio
Olímpico, como já me encantara com o escrete tricolor, que um dia eu fui
receber no aeroporto de Erechim. (Guardo até hoje os autógrafos colhidos
naquela ocasião dos ídolos que até então eu só conhecia de ouvir o nome no
rádio: Arlindo, Espinosa, Ari Ercílio, Áureo, Everaldo, Joãozinho, Sérgio
Lopes, Flecha, Hélio Pires, Alcindo e Volmir).
Internamente, torcia pelo
Palmeiras, mas o Inter teve um segundo tempo avassalador e empilhou três gols
no adversário, que não era trouxa, como se pode ver pelos nomes listados
acima.
A cada jogada, abusando
de sua ascendência sobre mim, o Caíco me fazia concordar com a agilidade do
Dorinho, ou com a maestria de um talentoso Bráulio ou a força do perigoso
Claudiomiro.
A cada gol, o Caíco me
forçava a comemorar com eles - aqueles malditos vermelhos -, assustando-me com
a presença maciça de colorados ao meu redor. “Se não festejares, vão bater em
ti”.
Acovardado, confesso que
me erguia com ele da cadeira a cada gol marcado e levantava os punhos para o
céu estrelado, numa comemoração desanimada e torpe, reflexo inconteste da minha
própria covardia.
Para minha sorte, o Inter
fez três a zero no Palmeiras. Tive, assim, três chances para testar minha
falsidade, antes de poder contrariá-lo com veemência, ao final do jogo, quando
meu primo, sorridente, veio com aquela palmadinha cúmplice no meu ombro e a
afirmativa esdrúxula: agora tu também és um colorado.
Vocês não têm um estádio
desses, eu respondi, vitorioso.
E por mais uns cinco
meses – o primeiro jogo do Inter no Beira Rio foi em abril de 1969 - eu ainda
teria razão.
Obrigado, Olímpico! Devo
a ti o resguardo da minha honra.
Depois desse episódio, em
1969, minha família mudou-se para Porto Alegre, para um apartamento na Cidade
Baixa. Podíamos ir a pé para os jogos no estádio. A partir de 1978, fomos morar
ainda mais perto do Olímpico.
Da janela do meu quarto,
no bairro que apelidaram de Jardim Olímpico por razões óbvias, eu podia espiar
uma parte dos jogos. Pelo menos, isso foi verdade enquanto não se completou o
anel superior, que conferiu o complemento de Monumental ao nome do nosso velho
Olímpico.
Será duro ver a queda do
estádio. Mais duro ainda será ver brotar no espaço nobre que o abrigava um novo
e pouco original conjunto de espigões. O Olímpico fez parte da minha paisagem
portoalegrense particular por mais de trinta anos. Fiel a ele até o fim, foi
somente após o jogo de encerramento que eu consegui enxergar - entre a muralha
de edifícios que se estende em frente a minha sacada nos altos de Montserrat -,
a cúpula branquicenta e o anel azul que caracterizam a nova Arena do Grêmio,
sua futura substituta.
Percebo agora que meus
olhos vinham sonegando de mim a imagem majestosa da nova Arena, tão óbvia e
límpida na paisagem fronteira. Foi somente após o emocionante adeus formal ao
velho Olímpico – um sinal inequívoco de devoção e respeito – que meus olhos se
permitiram trazer o novo para o universo dos meus afetos.
Obrigado, Olímpico. Vai
aqui o meu abraço apertado, o meu adeus constrito.
- Miguel da Costa Franco -
- Miguel da Costa Franco -
Beleza, Miguel! Tua pseudo covardia foi a maior prova de tua inteligência superior. Ou seria tricolor?
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