segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Obrigado, Olímpico!




Por um desses azares do destino, fui conhecer o Estádio Olímpico pela mão de um primo colorado. Era uma noite quente de dezembro de 1968 e eu recém completara dez anos. Pelo Robertão, apelido do Torneio Roberto Gomes Pedrosa - que antecedeu o Campeonato Nacional – enfrentavam-se Inter e Palmeiras.
Ia ser um jogão, profetizava o meu primo Caíco. E me convenceu a ir.
De um lado, Élton, Dorinho, Bráulio, Claudiomiro e Canhoto. De outro, Eurico, Luis Pereira, Dudu, Ademir da Guia, César, Tupãzinho e Artime. Estrelas que eu conhecia de nome, por comporem o universo dos meus times de botão “panelinha”, nos longos campeonatos que eu disputava, jogo a jogo da enorme tabela do Robertão, com meu amigo Coca na longínqua Erechim em que eu morava.
Mas o Caíco, meu primo, quis me levar ao jogo, sonhando com minha conversão ao Colorado. Assisti ao jogo lá do alto das cadeiras cativas, abismado com a grandeza do estádio, acostumado que eu era a ver os jogos do Ipiranga no singelo e modesto estádio da Montanha, em Erechim. As enormes arquibancadas, os gigantescos refletores, os times pequenininhos lá embaixo, as cadeiras azuis lado a lado - mais confortáveis que as do Cinema Ideal, meu paraíso das tardes domingueiras -, a imensa pista atlética, os bancos de reservas protegidos, as largas marcas de cal demarcando o campo de embate...
Encantei-me com o Estádio Olímpico, como já me encantara com o escrete tricolor, que um dia eu fui receber no aeroporto de Erechim. (Guardo até hoje os autógrafos colhidos naquela ocasião dos ídolos que até então eu só conhecia de ouvir o nome no rádio: Arlindo, Espinosa, Ari Ercílio, Áureo, Everaldo, Joãozinho, Sérgio Lopes, Flecha, Hélio Pires, Alcindo e Volmir).
Internamente, torcia pelo Palmeiras, mas o Inter teve um segundo tempo avassalador e empilhou três gols no adversário, que não era trouxa, como se pode ver pelos nomes listados acima.  
A cada jogada, abusando de sua ascendência sobre mim, o Caíco me fazia concordar com a agilidade do Dorinho, ou com a maestria de um talentoso Bráulio ou a força do perigoso Claudiomiro.
A cada gol, o Caíco me forçava a comemorar com eles - aqueles malditos vermelhos -, assustando-me com a presença maciça de colorados ao meu redor. “Se não festejares, vão bater em ti”.
Acovardado, confesso que me erguia com ele da cadeira a cada gol marcado e levantava os punhos para o céu estrelado, numa comemoração desanimada e torpe, reflexo inconteste da minha própria covardia.
Para minha sorte, o Inter fez três a zero no Palmeiras. Tive, assim, três chances para testar minha falsidade, antes de poder contrariá-lo com veemência, ao final do jogo, quando meu primo, sorridente, veio com aquela palmadinha cúmplice no meu ombro e a afirmativa esdrúxula: agora tu também és um colorado.
Vocês não têm um estádio desses, eu respondi, vitorioso.
E por mais uns cinco meses – o primeiro jogo do Inter no Beira Rio foi em abril de 1969 - eu ainda teria razão.
Obrigado, Olímpico! Devo a ti o resguardo da minha honra.
Depois desse episódio, em 1969, minha família mudou-se para Porto Alegre, para um apartamento na Cidade Baixa. Podíamos ir a pé para os jogos no estádio. A partir de 1978, fomos morar ainda mais perto do Olímpico.
Da janela do meu quarto, no bairro que apelidaram de Jardim Olímpico por razões óbvias, eu podia espiar uma parte dos jogos. Pelo menos, isso foi verdade enquanto não se completou o anel superior, que conferiu o complemento de Monumental ao nome do nosso velho Olímpico.
Será duro ver a queda do estádio. Mais duro ainda será ver brotar no espaço nobre que o abrigava um novo e pouco original conjunto de espigões. O Olímpico fez parte da minha paisagem portoalegrense particular por mais de trinta anos. Fiel a ele até o fim, foi somente após o jogo de encerramento que eu consegui enxergar - entre a muralha de edifícios que se estende em frente a minha sacada nos altos de Montserrat -, a cúpula branquicenta e o anel azul que caracterizam a nova Arena do Grêmio, sua futura substituta.
Percebo agora que meus olhos vinham sonegando de mim a imagem majestosa da nova Arena, tão óbvia e límpida na paisagem fronteira. Foi somente após o emocionante adeus formal ao velho Olímpico – um sinal inequívoco de devoção e respeito – que meus olhos se permitiram trazer o novo para o universo dos meus afetos.

Obrigado, Olímpico. Vai aqui o meu abraço apertado, o meu adeus constrito.

                                                                             - Miguel da Costa Franco -

Um comentário:

  1. Beleza, Miguel! Tua pseudo covardia foi a maior prova de tua inteligência superior. Ou seria tricolor?

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