domingo, 21 de novembro de 2010

Um de nós deve estar doente



- Um de nós deve estar doente – eu disse.
Ela pousou em mim seu olhar compreensivo e doce, mas não se moveu. Nem disse nada. Manteve-se em pé, tranquila e estática, no centro do corredor, totalmente desnuda. Tinha o corpo claro e bem formado, afinado na cintura e com um par de seios bem proporcionado, de mamilos rosados e protuberantes. As ancas largas e convidativas atraíam-me como um ímã. Impossível não amá-la mais, a cada renovada visão desse corpo macio, delicado e dócil, e desse olhar pungente. Olhava-me com muito carinho, como quem se apiedasse da baixa auto-estima do outro. Como se quisesse devolver-me a paz de espírito indevidamente perdida.
Eu também não me movi. Fiquei sentado no balcão da cozinha, admirando aquele corpo surpreendentemente nu, tão desejável, mergulhado na penumbra do corredor. Amava-a profundamente, desde o primeiro dia em que a vi.
- Um de nós tem que estar doente – repeti, do cerne de minha apatia, certo de ser eu o moribundo.
O homem - um pouco mais novo que ela e vinte anos mais jovem do que eu - saiu das sombras, mostrando impaciência. Estava também pelado e percorreu com muita pressa e decisão todo o espaço do corredor visível para mim através do balcão da cozinha americana. Tomou-a vigorosamente pelo pulso esquerdo e arrastou-a com alguma violência, retornando em direção à sala de tevê, de onde provavelmente emergira. Cruzou o vão da porta da saleta, sem dar ouvidos aos protestos tímidos dela, e fechou-a atrás de si.
Eu não soube o que fazer. Agora o doente parecia ser ele.
É evidente que se fosse pensar apenas em mim, eu os impediria de transarem ali, nas minhas fuças. Mas era direito dela relacionar-se com quem elegesse. Até então, o eleito havia sido eu. Mas se ela agora tivesse decidido deixar-me, que direito eu tinha de me atravessar no seu caminho? De forçá-la a ter a mim, tão mais velho que ela, como sua escolha definitiva? Era uma questão de arbítrio. E me parecia que uma intervenção de minha parte seria tida como uma intolerável intromissão nos seus desígnios.
Mas, ao mesmo tempo, do fundo de mim, outro receio brotava em oposição. Se o sujeito a estivesse forçando a fazer sexo com ele, como em parte me parecera, pelo teor de violência contido em seus gestos, não iria ela me acusar de não ter feito nada para protegê-la? De ter-me omitido? De não amá-la o suficiente?
Essa dúvida conveniente me fez baixar da banqueta e dirigir-me, primeiro vagarosamente, mas depois com uma urgência incontida, para a sala da tevê.
Abri a porta, que estava apenas encostada, e vislumbrei seus corpos engalfinhados no sofá. Os glúteos fortes do jovem moviam-se como mós pesadas sobre o ventre da minha amada e ele a beijava furiosamente o pescoço, a boca, as bochechas. Fodia-a com gana.
Ela não dizia nada. Antes, emitia pequenos gemidos ocos. E tinha um leve sorriso espraiado no rosto, um tensionamento prazeroso, uns olhos agradavelmente surpresos. Gostava.
Era ela a doente, então?
Meu estômago embrulhou-se um pouco. Paralisei-me outra vez. Ele a comia com o ímpeto, o ardor e a voracidade que ela bem sabia suscitar. Seus bagos batiam – paf, paf, paf – entre as coxas do meu amor. Ela gostava, seu rosto todo dizia.
Senti um desejo mortal de possuí-la também eu com aquela fresca vivacidade que parecia transbordar do jovem. Tentei empurrar uma de suas pernas, e ele nem bola, paf, paf, paf. Então resolvi pegá-lo pelo saco. E tomei-o com força e raiva, como quem se firma no corrimão da escada para não cair. E arrastei-o para trás, fazendo-o abandonar o ventre palpitante de minha amada, o pênis ainda armado e lustroso não sabendo bem a quem acusar, apontando ora para um lado, ora para outro. Com a mão livre, agarrei-o também pelos cabelos e conduzi-o, assim, para fora da peça, com violência, os dedos doendo da pressão resoluta que eu fazia sobre aquele saco antes globoso, depois estropiado e murcho. Devo tê-lo machucado muito. Não teve forças para reagir e contorcia-se de dor quando fechei a porta e chaveei-a.
Ela mal vira o que se passara. Fora tudo muito rápido. Soerguera-se no sofá, apoiada nos cotovelos, enquanto eu arremessava o jovem, sem delicadeza, rumo ao corredor, naquela intervenção contundente. A partir de onde teria ela entendido o que se passava?
Certeza eu tinha apenas de que ela acompanhara passo a passo o meu retorno, após desvencilhar-me brutalmente do outro. Viu-me aceder ao seu corpo ofegante e desguarnecido recostado no divã, ajoelhar-me ao seu lado e começar a acariciar-lhe as coxas cuidadosamente, a beijar-lhe os seios, a barriga, o ventre, este com sofreguidão.
Livrei-me das roupas, deitei no espaço que ela abrira ao seu lado e dei-lhe um longo beijo na boca. Penetrei-a, indo bem ao fundo daquela caverna cálida. Tentei imitar o ímpeto do meu antecessor, mas sobrava-me idade para tanto ardor. Ela recebeu-me bem, úmida e animada que estava. Acariciava meus cabelos revoltos e suados, enquanto eu me esforçava em ser mais viril que das outras vezes.
Gozei mais depressa do que gostaria. Sozinho.
E o doente, afinal? Ela ou eu?
Confessei num murmúrio tímido os dilemas que haviam brotado em minha mente, quando os dois me abandonaram na cozinha, e ela disse que os meus ciúmes eram descabidos. Despropositados. Deu-me um beijo longo e ardente. Aninhou-me em seus braços e repetiu, assoprando no meu ouvido, o "amo tu" que nos unia tanto. Derramou açúcar dos seus olhos nos meus e repetiu aquele "amo tu, meu bichinho", que sempre me entorpecia. Brincou com meus mamilos, com meu sexo abandonado sobre a coxa. Roçou o nariz na minha bochecha, no meu ouvido.
Mais uma vez, acreditei.

Talvez o doente fosse mesmo o outro.

                                                                             - Miguel da Costa Franco -

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