Foi por amargura e
desespero que um grande amigo e eu resolvemos fundar o EKVCCdeLN.
Estávamos fartos de
governantes escroques e escrotos. De esperar pelo improvável meteoro que
atingiria também a ema do palácio – coitada! – mas especialmente reduziria a pó
de estrelas diarreicas o seu obtuso candidato a veterinário. Estávamos fartos de congressistas
venais e ridículos. De um Judiciário frouxo e leniente.
Estávamos cheios dessa
sociedade de perversos e bandidos em que nos meteram, inocentemente, os nossos
amados pais, gente séria e austera, que nos criou dentro dos preceitos da ética
e da honestidade, do senso coletivista e do respeito aos princípios
democráticos.
Não nos restava
qualquer alternativa. Após seis décadas de espera, a merda só engrossou. As
esperanças se diluíram, com a ostensiva rapidez de um alka-seltzer, item básico
em nossa dispensa farmacológica. Nossa crença no futuro se transformou em azia
permanente.
Alguns dirão que
sexagenários não deveriam se meter em tais aventuras. Enganam-se. Depois que
inventaram a tadalafila e os colchões de múltiplos materiais e camadas, capazes
de nos restaurar das crises de coluna vertebral, nada mais nos derrubará. Nada
pode nos segurar.
Reconhecemos potencial
revolucionário igual ao nosso em muitos e muitos outros, como diria o Bebeto
Alves. Somos um bando, um bando, um bando... Basta apenas que nos reunamos em
torno de objetivos comuns. Por isso, fundamos o EKVCCdeLN. É preciso fazer
alguma coisa rapidamente.
Entretanto, o mundo
mudou de forma radical. As armas que usávamos antes – a retórica, o diálogo, o
convencimento, a organização social - já não nos protegem mais das bestas e dos
espertos que assumiram a condução cotidiana do poder. Mas mesmo estes imbecis detêm
apenas as rédeas. A carroça, o animal de tração, a almofada do sentante, o
resto dos arreios, a graxa que amacia o atrito dos rodados, tudo isso pertence
aqueles agentes obscuros e desconhecidos que denominamos de “Grande Capital”,
por absoluta inépcia de dar nome aos bois. Sim, além de sexagenários, somos
ineptos e incompetentes.
Ou, em nossa defesa,
podemos dizer que não tivemos tempo suficiente para bem avaliar os habitantes
da selva. Estávamos trabalhando, criando os filhos, tentando cretinamente ser
felizes com as migalhas que caíam da mesa dos bem-aventurados. Aproveitávamos
nosso razoável conforto para ver séries no Netflix, pedir comida de
tele-entrega, exercer nossa pequena e raivosa cidadania através de
abaixo-assinados do Avaaz, tomar vinhos do terceiro patamar – de R$ 30,00 a
40,00 – e passar as férias em Santa Catarina.
Sim, somos
sexagenários e temos nossas dores acumuladas, fomos ineptos e cretinos, não
tivemos a determinação suficiente, nos deixamos seduzir por vidinhas razoáveis
e, egoisticamente, assistimos de camarote o barco mover-se aos solavancos e
correr por tempo demais rumo à cachoeira. Sonhamos com sítios distantes e
ensolarados, uma casinha na serra, praias paradisíacas e barcos a vela
singrando águas tranquilas, um motor-home
salvador. Mas a chance que, em verdade, nos resta é encontrarmos alguma caverna
úmida onde possamos nos esconder até a hecatombe.
Como tantas vezes no
passado, ele – o meu dileto amigo - e eu (ou eu e ele, tanto faz) nos dissemos:
ou não!
Por isso fundamos o
EKVCCdeLN. Estamos cientes de que a estupidez e a truculência não podem ser
vencidas de igual para igual. Nisso, eles sempre serão mais fortes. É preciso
inovar. A campanha do não a Pinochet foi vencida com a ajuda fundamental e
inegável de um animado palhaço, de nome artístico Florcita Motuda. Mistura de
Chacrinha com Eduardo Dusek.
Una-se a nós! Comece de imediato a ler as obras completas de Kurt Vonnegut, nosso guru maior. A acidez, o sarcasmo, a inteligência objetiva e a ironia são as armas que os derrubarão. Não descartamos pontudas e espetaculosas ações individuais, que garantam muitos curtires nos nossos facebooks. São bem-vindos à nossa luta os mártires ousados dispostos a nos livrar de todo o mal ou despencar no abismo – não para se iludirem em receber setenta virgens de prêmio, mas tão-somente para fugir à rola rombuda que querem enfiar no nosso fiofó criado com talco Johnson, Hipoglós e Bepantol. Sem o auxílio de KY, guspe ou vaselina, nem carinhos prévios.
Saiba que haveremos de ter muita paciência. Persistir, persistir, lutar, lutar. A luta será longa, precisamos reforçar nosso estoque de vinhos furrecas, talvez comprar uma casa no campo para os exercícios necessários, aprofundar as leituras de Vonnegut e literatura instigante, assinar outros streamings. Como rito de passagem afiançador desse propósito de indistinguível disposição e coragem de partir para o ataque, definimos, meu amigo e eu, a ultrapassagem da fase 348 do Candy Crush como absolutamente necessária para integrar nossa falange revolucionária. É quase um teste de admissão. (Não me venham de saída com o papo de que é impossível! Não se apequenem! Como diriam alguns digitais influencer que se acham modernos e ousados, você pode! Conhecemos uma professora da UFRGS que ultrapassou a fase 7.977 deste joguinho). Consideramos vencer a fase 348 um mínimo sinal de perseverança.
Desde a sua caverna,
mande seus sinais de fumaça. Mas fiquemos atentos ao marquetingue, como diria
nosso segundo guru, LFV. Para reforçar nossa amplitude, trate de decorar, sem
tropeços na fala, a sigla que nos levará à vitória suprema (EKVCCdeLN,
EKVCCdeLN, EKVCCdeLN, EKVCCdeLN...). Decore – método antigo, mas ainda útil - o
nosso lema maior: “Cuidado com o que você finge ser, pois você é o que finge
ser”.
Estamos abertos a
recebê-los no Exército Kurt Vonnegut Candy Crush de Libertação Nacional. Precisamos,
antes de tudo, de foco. A hora é oportuna, porque acabo de renovar meus óculos.
Por enquanto, cada chiste em nosso nome deverá receber ao menos dois carimbos
de aprovação e a hashtag #EKVCCdeLN.
E como encerraria o
nosso guru maior: etc...
"mas a chance que, em verdade, nos resta é encontrarmos alguma caverna úmida onde possamos nos esconder até a hecatombe." Estou quase lá, na caverna ou na hecatombe espiritual, seja isso o que for. Sou professora, acho que passei mais da metade da minha vida com alunos. Tem uma coisa que é simplesmente desconcertante: as turmas-múmia. Diante do que está acontecendo no Brasil, me sinto diante de uma turma-múmia: tudo é revelado, denunciado, esfregado na cara de todos e não acontece nada.
ResponderExcluirCoragem. Minha solidariedade. A educação, com certeza, pode nos ajudar a deixar a caverna.
ResponderExcluirYeeee, Bro! Marchemos junto ao EKVCCdeLN (Exército Kurt Vonnegut Candy Crush de Libertação Nacional) por uma causa vigorosa.
ResponderExcluirFicou bem fácil decorar a sigla depois de decifra-la. Quanto ao Candy Crush moleza, estou na fase 2580.
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