Texto publicado no Pasquim Sul, em 30.04.87
Acordei com fome.
Descolei um ovo com o vizinho do vinte e dois e Dona Maria, do térreo,
alcançou-me uns bolos fritos. Um dia ainda traço essa velha. Que coração! Eu
sou assim: simpático, chegadinho.
A campainha tocou e eu
senti cheiro de mulher. Sou muito sensível. Era ela. Não a Dona Maria. Outra.
Ainda bem que eram dois bolinhos. (O ovo já tinha bailado!). Aperitivei-a com
os olhos e convidei:
- Quer almoçar, baby?
- Neca – respondeu,
surpresa.
- E eu Mig, como os jatos
russos – aproveitei a deixa para me apresentar.
- ...
- Dizem que sou muito
rápido. Por isso, o apelido. Acho ótimo. O tempo voa e eu sigo meio junto.
Olhou-me estranhamente.
Pensei que podia ser fome e ofereci o bolinho menor. Eu sou assim: gentil,
educado, maternal. Agradeceu, assentindo com a cabeça envolta em bobs
cor-de-rosa.
- Muito prazer – ela
disse, estendendo a mão.
Botei o pau na mão dela e
completei:
- Pra você, também, baby
– e dei um risadão. (Eu sou ótimo!).
Estaquearam-se. Ela e
ele. Sacudiu-o efusivamente como se fosse a mão do presidente ou do papa. Quase
fui. Pena que ela parou.
- Preciso ir – ela disse,
sem olhar para baixo.
- Não toma um chimarrão?
Sacaram o lance? Eu sou
assim, ágil, perspicaz. E passei a cuia.
Pegou-a com a mão livre.
Tudo certinho, pensei. Numa dessas ela se confunde. Aí deu para ela, sou
realmente muito rápido.
Que nada! Largou meu pau.
Em parte foi bom que já estava gangrenando. Ouvi o ronco do mate.
- Gostoso – ela disse,
devolvendo a cuia. Estava nervosa. Devia ser a emoção.
- Você ainda não viu
nada, baby! – disse eu, aproveitando a deixa novamente.
Tirei o roupão verde e
fiquei só de meias. Andei nu pela peça. Dancei um tango e depois fiz a dança do
ventre. Rolei no tapete. Esfreguei eroticamente a bunda na maçaneta. Abri a
boca e sacudi agilmente a língua.
Ela continuava estaqueada
mas eu percebi que já estava cedendo: havia piscado pelo menos duas vezes.
- Você não é o sindico? –
ouvi-a perguntar num lamento.
- Ano que vem, darling –
sou malandro, nunca respondo não.
E insisti, conselheiro:
- Baby, você precisa de
um amante, não de um administrador. Antes o sexo, depois o IPTU.
Achei que havia sido
convincente. Eu sou demais.
Deu um sorriso. Aproximou
a boca carnuda, os lábios fortes no meu ouvido cartilaginoso. Senti o bafo nas
entranhas e tremi. Agarrou firme o meu pescoço (no pau, no pau, implorei),
sacudiu-o com vigor e disse pausadamente:
- Ô meu! Vai tomar no teu
cu!
E saiu porta afora,
alucinada. Perdeu um dos bobs cor-de-rosa no hall de entrada.
Mal educada, pensei, nem
comeu o bolinho. E guardei o bobs na caixinha dos recuerdos.
- Miguel da Costa Franco -
- Miguel da Costa Franco -
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