João
tinha dezesseis anos incompletos quando perdeu a virgindade numa noite fria de
junho nos anos setenta. Alvinho, Bocão e Márcio, todos na mesma faixa etária, o
acompanharam a conhecer a casa da Capixaba. Ao menos um deles já estivera por
lá e contava maravilhas. Pagava-se pouco pelo instante e havia sempre
alguma puta disponível. Se quisesse passar a noite, a conta encarecia muito,
mas de qualquer forma, nenhum deles tinha idade para isso.
O
puteiro ficava num sobrado caindo aos pedaços na Rua Sete de Setembro, perto do
Hotel Majestic, hoje um centro cultural pouco explorado. Os menores eram bem
recebidos, se evitassem os dias de pico - quinta a domingo - e os horários mais
tardios, em que podia bater a polícia.
Os
quatro meninos rondaram a porta de folhas estreitas, para lá e para cá, duas
vezes, sem coragem para entrar. Não havia placa nem porteiro. Apenas uma fraca
lampadinha vermelha, o signo sacramentado dos inferninhos, anunciava o
propósito do estabelecimento. Por fim, o reincidente Bocão decidiu-se: “eu
vou”. Atrás dele, foram todos.
Para
aceder à Capixaba, subia-se uma longa escada de madeira até o primeiro andar,
que dispensava a existência de qualquer campainha, tal a rangedeira que os
passos dos visitantes provocavam no madeirame mal conservado. No cume do cupinzal,
já no primeiro andar, uma loira sonolenta recebia os clientes e mostrava a
tabela de preços com uma pergunta quase retórica, em se tratando de novatos:
“instante ou pouso?”.
Os
amigos precisaram partilhar tudo o que tinham para poder garantir o programa de
todos, pois Márcio e Bocão só haviam arranjado uns poucos trocados e não
inteiravam o montante necessário. Feitas as contas, Alvinho alçou-se a porta-voz
do grupo, com uma ponta de orgulho, pois os outros mal conseguiam balbuciar
interjeições tremidas.
“Instan-tan-te”,
anunciou Alvinho. “Para quê mais?”
A
plantonista riu.
“Antes,
dêem o dinheiro para as moças”.
Mas
quando afinal começava a coisa, perguntava-se João. Não havia moças na sala de
estar. Apenas a voz melosa do Benito de Paula, arriscando uma balada de amor chata
e dolorida e um globo de espelhos salpicando reflexos de luz por todo o
ambiente cheirando a cigarro e cachorro molhado.
A
loira do balcão apontou para dois sofás gastos de courino vermelho que ficavam alinhados
à parede mais próxima, mas eles não arredaram pé do hall de entrada. Compuseram
uma fila ridícula, que foi escoando lentamente, à medida que saíam os clientes
e mulheres em trajes sumários assomavam às portas, mais além da sala de estar,
e caminhavam em direção a eles, incitando: “o próximo!”
Um
a um, foram desaparecendo os amigos, levados para o interior da casa pelas mãos
das prostitutas. João ficou para o fim. Lamentou ter perdido a loirinha
apetitosa de lingerie verde-bandeira, que carregou consigo o Bocão.
Márcio retornou depressa, faceiro, antes que chegasse a vez do João. Talvez
tenha se demorado menos de cinco minutos. Recostou-se contra a parede do outro
lado, como se inaugurasse uma segunda fila, esta agora para abandonar o local.
“Bah,
muito tri”, confidenciou, extravasando deleite e excitação.
Mas
uma gordinha de cabelo descolorido buscou também o último menino, antes que ele
pudesse obter alguma dica secreta do amigo.
O
quarto para onde João se enfiou com a baixinha sorridente, que se apresentou
como Sheila Sofia, tinha uma decoração enxuta. Os modernos diriam minimalista:
cama de casal estreita, coberta por lençóis mosqueados pouco convidativos,
mesinha de cabeceira pequena, suportando um abajur rasgado e um meio rolo de
papel higiênico com aspecto grosseiro a descansarem sobre ela. Do teto alto,
pendia um poeirento bico de luz, que despejava sobre tudo uma opacidade amarela
e enjoativa.
A
moça tomou o dinheiro que João trazia em mãos, contou-o e enfiou as notas no
sutiã rendado.
“Não
vai tirar?”, protestou João.
“Não”,
ela disse. “Tá ajudando a firmar a peruca”.
Vendo
que João não tomava qualquer iniciativa, mandou que o garoto se despisse e baixou
também ela a sua calcinha. Deitou-se de bruços na cama, com as nádegas fartas e
gelatinosas mirando para o teto, sem sequer descalçar os sapatos de salto.
O
pênis de João não mostrava reação digna. Tinha o desânimo da lagarta que se
despede da vida conhecida, enroscando-se em letargia para formar o casulo
salvador. Mas seu coração era um rojão de vara. Sheila Sofia sacudiu os glúteos
de um lado a outro e chamou-o, com um tanto de impaciência e sem
languidez alguma, batendo com a mão na nádega direita: “deita aqui”.
João
pensou que arriscava perder o dinheiro investido se não atendesse ao comando.
Avançou sobre o corpo alvo e carnudo da moça (nem tão moça assim!) e aninhou o
pênis envergonhado entre as carnes globosas de Sheila Sofia.
“Tu
vais ver o que é bom”, ela disse.
Começou
a remexer-se de um lado a outro, massageando com as suas mós rebolantes a
cobrinha minúscula que se abrigava entre elas.
“Sheila.
Sofia. Sheila. Sofia. Sheila. Sofia.”, dizia ela, compenetrada, procurando
sintonizar a pronúncia dos nomes com o lado esquerdo ou direito para onde dirigia
o movimento dos quadris.
João
sentiu que algo em seu corpo ganhava vida própria. Talvez lá pela sétima
bateria de Sheila-Sofia, a moça, sentindo-se exitosa, despejou João para o
lado, virou-se de chofre, tornou a puxá-lo para si e acomodou na sua vagina, com
a mão macia, o pênis-lagarta de João, agora revigorado. Três ou quatro
movimentos das ancas o fizeram explodir. O menino esvaiu-se, numa tontura
agradável e relaxante. Achou que poderia morrer sobre o corpo roliço da outra. Mas
ela salvou-o, ligeira, da morte, enfiando-lhe o cotovelo três vezes nas costelas
e movendo o corpo para o lado.
João
desmontou da parceira apressada e recostou-se, sem jeito, no colchão moldado em
concha por milhares de corpos cansados como o seu. Ela tomou o rolo de papel e
deu-lhe uma tira de palmo e meio de comprimento para que se limpasse. Depois,
fez um bolo para seu uso e levou-o ao meio das pernas, em movimentos ritmados e
decididos. Por fim, puxou de sob a cama uma bacia plástica, acocorou-se sobre
ela e jogou umas mãozadas de água para lavar as partes usadas. João mal pôde
espiar a meia distância a boceta gorducha de pêlos quase rapados, enfeitada com
um bigodinho de Hitler disposto na vertical.
Foi
para ele uma noite memorável e, ao mesmo tempo, crivada de pequenas decepções: a
loirinha de verde que havia perdido para o Bocão, os peitos escondidos no sutiã
irremovível da parceira, os impasses do não-saber, sua expulsão precoce da cama
e, depois, do quarto.
Só
três guris voltaram juntos para o bairro pelo ônibus Glória-Gruta, sem dizer
mais palavras do que o necessário: Márcio, Alvinho e João. Viviam um momento de
ebulição interior. João tentava acalmar o espírito agitado, colando o rosto ao
vidro frio e suado da janela do coletivo.
Bocão
diria, depois, que havia ficado para dormir, pois sua parceira – a lindinha da lingerie
verde - não queria deixá-lo partir, tão gostoso havia sido. Ninguém acreditou, o
amigo fazia jus ao apelido, mas não houve contestações explícitas. Achavam
justo manter em resguardo interior a experiência vivida e havia um bom grau de conivência
com pequenos exageros ou com a sonegação de informações que podiam ser
condenáveis. Compartiam apenas as atitudes que reafirmavam sua virilidade e o
quanto haviam feito gemer as suas putas. Também dividiam entre si os pequenos
detalhes anatômicos extraordinários – a cicatriz transversal na barriga de uma,
a tatuagem de Jesus Cristo no ombro de outra, as tetas imensas da terceira, o
bigodinho de Hitler.
O sincopado
Sheila-Sofia tornou-se um mantra repetitivo para sessões de masturbação.
João
voltou a pisar uma única vez no assoalho balançante da Capixaba. Na segunda
oportunidade, mais seguro dos passos que havia de dar, escolheu a loira
magrinha, especialista em inflar os egos juvenis. Ela correspondeu ao esperado:
deixou-a contemplá-la todinha, ofereceu-lhe os seios para mamar, chamou-o três
vezes de “gostoso” e gemeu como uma doida atacada por um gorila. Ao final,
ficou brincando com o seu pênis tombado cheirando a clorofina e, sem demonstrar
nenhum nojo, deu-lhe dois beijinhos travessos antes de se lavar na bacia.
Meses
depois, o prédio onde ficava o cabaré foi condenado porque ameaçava ruir.
Ninguém mais soube para que lado da cidade se mudara a Capixaba e seu esquadrão
de moças escoladas.
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