terça-feira, 14 de maio de 2019

A Capixaba



João tinha dezesseis anos incompletos quando perdeu a virgindade numa noite fria de junho nos anos setenta. Alvinho, Bocão e Márcio, todos na mesma faixa etária, o acompanharam a conhecer a casa da Capixaba. Ao menos um deles já estivera por lá e contava maravilhas. Pagava-se pouco pelo instante e havia sempre alguma puta disponível. Se quisesse passar a noite, a conta encarecia muito, mas de qualquer forma, nenhum deles tinha idade para isso.

O puteiro ficava num sobrado caindo aos pedaços na Rua Sete de Setembro, perto do Hotel Majestic, hoje um centro cultural pouco explorado. Os menores eram bem recebidos, se evitassem os dias de pico - quinta a domingo - e os horários mais tardios, em que podia bater a polícia.

Os quatro meninos rondaram a porta de folhas estreitas, para lá e para cá, duas vezes, sem coragem para entrar. Não havia placa nem porteiro. Apenas uma fraca lampadinha vermelha, o signo sacramentado dos inferninhos, anunciava o propósito do estabelecimento. Por fim, o reincidente Bocão decidiu-se: “eu vou”. Atrás dele, foram todos.

Para aceder à Capixaba, subia-se uma longa escada de madeira até o primeiro andar, que dispensava a existência de qualquer campainha, tal a rangedeira que os passos dos visitantes provocavam no madeirame mal conservado. No cume do cupinzal, já no primeiro andar, uma loira sonolenta recebia os clientes e mostrava a tabela de preços com uma pergunta quase retórica, em se tratando de novatos: “instante ou pouso?”.

Os amigos precisaram partilhar tudo o que tinham para poder garantir o programa de todos, pois Márcio e Bocão só haviam arranjado uns poucos trocados e não inteiravam o montante necessário. Feitas as contas, Alvinho alçou-se a porta-voz do grupo, com uma ponta de orgulho, pois os outros mal conseguiam balbuciar interjeições tremidas.

“Instan-tan-te”, anunciou Alvinho. “Para quê mais?”

A plantonista riu.

“Antes, dêem o dinheiro para as moças”.

Mas quando afinal começava a coisa, perguntava-se João. Não havia moças na sala de estar. Apenas a voz melosa do Benito de Paula, arriscando uma balada de amor chata e dolorida e um globo de espelhos salpicando reflexos de luz por todo o ambiente cheirando a cigarro e cachorro molhado.

A loira do balcão apontou para dois sofás gastos de courino vermelho que ficavam alinhados à parede mais próxima, mas eles não arredaram pé do hall de entrada. Compuseram uma fila ridícula, que foi escoando lentamente, à medida que saíam os clientes e mulheres em trajes sumários assomavam às portas, mais além da sala de estar, e caminhavam em direção a eles, incitando: “o próximo!”

Um a um, foram desaparecendo os amigos, levados para o interior da casa pelas mãos das prostitutas. João ficou para o fim. Lamentou ter perdido a loirinha apetitosa de lingerie verde-bandeira, que carregou consigo o Bocão. Márcio retornou depressa, faceiro, antes que chegasse a vez do João. Talvez tenha se demorado menos de cinco minutos. Recostou-se contra a parede do outro lado, como se inaugurasse uma segunda fila, esta agora para abandonar o local.

“Bah, muito tri”, confidenciou, extravasando deleite e excitação.

Mas uma gordinha de cabelo descolorido buscou também o último menino, antes que ele pudesse obter alguma dica secreta do amigo.

O quarto para onde João se enfiou com a baixinha sorridente, que se apresentou como Sheila Sofia, tinha uma decoração enxuta. Os modernos diriam minimalista: cama de casal estreita, coberta por lençóis mosqueados pouco convidativos, mesinha de cabeceira pequena, suportando um abajur rasgado e um meio rolo de papel higiênico com aspecto grosseiro a descansarem sobre ela. Do teto alto, pendia um poeirento bico de luz, que despejava sobre tudo uma opacidade amarela e enjoativa.

A moça tomou o dinheiro que João trazia em mãos, contou-o e enfiou as notas no sutiã rendado.

“Não vai tirar?”, protestou João.

“Não”, ela disse. “Tá ajudando a firmar a peruca”.

Vendo que João não tomava qualquer iniciativa, mandou que o garoto se despisse e baixou também ela a sua calcinha. Deitou-se de bruços na cama, com as nádegas fartas e gelatinosas mirando para o teto, sem sequer descalçar os sapatos de salto.

O pênis de João não mostrava reação digna. Tinha o desânimo da lagarta que se despede da vida conhecida, enroscando-se em letargia para formar o casulo salvador. Mas seu coração era um rojão de vara. Sheila Sofia sacudiu os glúteos de um lado a outro e chamou-o, com um tanto de impaciência e sem languidez alguma, batendo com a mão na nádega direita: “deita aqui”.

João pensou que arriscava perder o dinheiro investido se não atendesse ao comando. Avançou sobre o corpo alvo e carnudo da moça (nem tão moça assim!) e aninhou o pênis envergonhado entre as carnes globosas de Sheila Sofia.

“Tu vais ver o que é bom”, ela disse.

Começou a remexer-se de um lado a outro, massageando com as suas mós rebolantes a cobrinha minúscula que se abrigava entre elas.

“Sheila. Sofia. Sheila. Sofia. Sheila. Sofia.”, dizia ela, compenetrada, procurando sintonizar a pronúncia dos nomes com o lado esquerdo ou direito para onde dirigia o movimento dos quadris.

João sentiu que algo em seu corpo ganhava vida própria. Talvez lá pela sétima bateria de Sheila-Sofia, a moça, sentindo-se exitosa, despejou João para o lado, virou-se de chofre, tornou a puxá-lo para si e acomodou na sua vagina, com a mão macia, o pênis-lagarta de João, agora revigorado. Três ou quatro movimentos das ancas o fizeram explodir. O menino esvaiu-se, numa tontura agradável e relaxante. Achou que poderia morrer sobre o corpo roliço da outra. Mas ela salvou-o, ligeira, da morte, enfiando-lhe o cotovelo três vezes nas costelas e movendo o corpo para o lado.

João desmontou da parceira apressada e recostou-se, sem jeito, no colchão moldado em concha por milhares de corpos cansados como o seu. Ela tomou o rolo de papel e deu-lhe uma tira de palmo e meio de comprimento para que se limpasse. Depois, fez um bolo para seu uso e levou-o ao meio das pernas, em movimentos ritmados e decididos. Por fim, puxou de sob a cama uma bacia plástica, acocorou-se sobre ela e jogou umas mãozadas de água para lavar as partes usadas. João mal pôde espiar a meia distância a boceta gorducha de pêlos quase rapados, enfeitada com um bigodinho de Hitler disposto na vertical.

Foi para ele uma noite memorável e, ao mesmo tempo, crivada de pequenas decepções: a loirinha de verde que havia perdido para o Bocão, os peitos escondidos no sutiã irremovível da parceira, os impasses do não-saber, sua expulsão precoce da cama e, depois, do quarto.

Só três guris voltaram juntos para o bairro pelo ônibus Glória-Gruta, sem dizer mais palavras do que o necessário: Márcio, Alvinho e João. Viviam um momento de ebulição interior. João tentava acalmar o espírito agitado, colando o rosto ao vidro frio e suado da janela do coletivo.

Bocão diria, depois, que havia ficado para dormir, pois sua parceira – a lindinha da lingerie verde - não queria deixá-lo partir, tão gostoso havia sido. Ninguém acreditou, o amigo fazia jus ao apelido, mas não houve contestações explícitas. Achavam justo manter em resguardo interior a experiência vivida e havia um bom grau de conivência com pequenos exageros ou com a sonegação de informações que podiam ser condenáveis. Compartiam apenas as atitudes que reafirmavam sua virilidade e o quanto haviam feito gemer as suas putas. Também dividiam entre si os pequenos detalhes anatômicos extraordinários – a cicatriz transversal na barriga de uma, a tatuagem de Jesus Cristo no ombro de outra, as tetas imensas da terceira, o bigodinho de Hitler.

O sincopado Sheila-Sofia tornou-se um mantra repetitivo para sessões de masturbação.

João voltou a pisar uma única vez no assoalho balançante da Capixaba. Na segunda oportunidade, mais seguro dos passos que havia de dar, escolheu a loira magrinha, especialista em inflar os egos juvenis. Ela correspondeu ao esperado: deixou-a contemplá-la todinha, ofereceu-lhe os seios para mamar, chamou-o três vezes de “gostoso” e gemeu como uma doida atacada por um gorila. Ao final, ficou brincando com o seu pênis tombado cheirando a clorofina e, sem demonstrar nenhum nojo, deu-lhe dois beijinhos travessos antes de se lavar na bacia.

Meses depois, o prédio onde ficava o cabaré foi condenado porque ameaçava ruir. Ninguém mais soube para que lado da cidade se mudara a Capixaba e seu esquadrão de moças escoladas.

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